Artigos de saúde
A coerção sexual existe em um contínuo de ações, desde o estupro forçado a
outras formas não físicas de pressão que compelem meninas e mulheres a
participar de atos sexuais contra sua vontade. O mais trágico da coerção é que a
mulher não tem opções e enfrenta conseqüências físicas ou sociais muito graves
se resistir aos avanços sexuais dos homens.
Algumas formas de coerção, tais como a penetração forçada (estupro), agressão
sexual (contato sexual forçado) e molestação sexual são reconhecidas como crimes
por muitos sistemas legais. Outras formas de coerção, tais como a intimidação, a
pressão verbal ou o casamento forçado, são toleradas e freqüentemente
incentivadas culturalmente (211, 390). Outras implicam no conluio de
organizações criminosas (tráfico de mulheres e crianças) e organizações
militares (estupros durante guerras).
A maior parte dos atos sexuais não consentidos ocorre entre pessoas que se
conhecem, ou seja, entre cônjuges, familiares, namorados ou conhecidos (211,
479). A coerção sexual pode ocorrer a qualquer momento da vida de uma mulher.
Crianças com poucos meses de idade já foram estupradas ou molestadas sexualmente
de outras formas. Até mesmo as mais idosas não estão imunes: os centros de
atendimento a vítimas de estupro relatam casos de clientes com mais de setenta
anos de idade (211).
Grande parte da coerção sexual é feita com crianças ou adolescentes, tanto em
países industrializados como em desenvolvimento. De um terço a dois terços das
vítimas conhecidas de agressões sexuais têm no máximo 15 anos, de acordo com
informações dos órgãos de justiça e centros de atendimento em caso de estupro
localizados no Chile, Peru, Malásia, México, Panamá, Papua-Nova Guiné e EUA
(212). Na infância, as meninas tornam-se alvos fáceis de familiares e amigos
mais velhos, que as forçam ou iludem para conseguir seus objetivos sexuais. Já
moças, elas poderão ser forçadas novamente a manter relações sexuais com seus
namorados, professores, familiares ou outros homens de autoridade. (veja a figura 1)
Sexo forçado no casamento
Ironicamente, muitas relações sexuais não consensuais ocorrem dentro de uniões
consensuais. Evidentemente, nem todas as mulheres têm uma experiência sexual
negativa e muitas experimentam prazer. Mas para certas mulheres, o sexo é apenas
outro meio de controle masculino.
Por exemplo, em um estudo qualitativo de 15 países sobre o risco de HIV nas
mulheres, estas relataram experiências sexuais extremamente perturbadoras no
casamento. As entrevistadas mencionaram com freqüência terem sido forçadas
fisicamente a ter relações sexuais e/ou a aceitar certas práticas sexuais que
consideravam degradantes e humilhantes (466). Outras consentiram na relação
sexual por temerem as possíveis conseqüências de sua recusa, entre elas a
agressão física, a perda de apoio financeiro ou acusações de infidelidade.
Muitos outros estudos também observaram este tipo de “consentimento defensivo”
(103, 136, 248, 365).
Em Papua-Nova Guiné, quase metade de um grupo de 95 mulheres entrevistadas
detalhadamente declarou ter tido relações sexuais forçadas por seus maridos.
Para forçá-las, os maridos as tinham espancado em um terço dos casos e, em um
quinto deles, os maridos estavam bêbados e agressivos verbalmente (322). Em
Uttar Pradesh, na Índia, cerca de dois terços de um grupo de 98 entrevistadas
informaram ter sido forçadas a ter relações sexuais com seus maridos, quase que
um terço delas por espancamento (248).
Iniciação sexual forçada
Para uma minoria significativa de mulheres, a iniciação sexual é uma experiência
traumática, forçada e cercada de temor. Para outras, mesmo se não foram
forçadas, a iniciação sexual pode ser indesejada, ou seja, algo que lhes é
imposto, que não escolheram por si próprias (veja a tabela 05).
Por exemplo, em uma clínica de pré-natal dos arredores de Cidade do Cabo, na
África do Sul, 32% de 191 mães adolescentes, cuja idade média era de 16 anos,
relataram que sua primeira relação sexual tinha sido forçada. Cerca de 72%
informaram terem tido relações sexuais contra sua vontade em algum momento e 11%
disseram ter sido estupradas. Se recusassem a ter relações sexuais, 78% disseram
que seriam espancadas, 39% temiam ser ridicularizadas e 6% disseram que
perderiam seus amigos. Cerca de 58% disseram que seus parceiros sexuais
tinham-nas espancado dez ou mais vezes (282). Outro estudo, realizado no Cabo
Oriental da África do Sul, mostrou que entre as razões de iniciação sexual dadas
mais freqüentemente pelas jovens estavam “fui forçada pelo parceiro” (28%),
seguida de “pressão dos amigos” (20%) (50).
Os adolescentes do sexo masculino admitem coagir freqüentemente suas parceiras.
No Quênia, por exemplo, durante discussões em grupo, alguns adolescentes de 12 a
14 e rapazes de 15 a 19 anos comentaram: “Primeiro tentamos seduzi-las mas, se
continuam a resistir, usamos a força”, inclusive, às vezes, drogando-as ou
amordaçando-as para evitar os gritos (301). Durante discussões de grupo na
África do Sul, uma adolescente revelou: “Eu realmente acho que o sexo forçado
virou a norma. É a forma das pessoas interagirem sexualmente” (450).
Quanto mais jovem for uma mulher por ocasião da primeira relação sexual, maior a
probabilidade da relação ter sido forçada. Na Nova Zelândia, por exemplo, uma de
cada quatro jovens cuja primeira relação sexual foi antes dos 14 anos informou
ter sido forçada a fazê-lo, geralmente por um homem muito mais velho (112).
Também nos EUA, 24% das que se iniciaram sexualmente antes dos 14 anos disseram
ter sido forçadas (2).
Mesmo quando a primeira relação sexual ocorre somente depois do casamento, a
experiência pode ser traumática, especialmente quando as mulheres e jovens têm
pouca informação sobre sexo (186). Um estudo de mulheres casadas em uma
comunidade pobre da Índia revelou que muitas delas consideravam traumática sua
primeira experiência sexual e que só 18% tinham alguma idéia do que ocorreria na
noite de núpcias. Como lembrou uma mulher: “Foi uma experiência aterradora.
Quando tentei resistir, ele prendeu meus braços acima da minha cabeça “ (248).
As mulheres que se casam muito jovens são ainda mais vulneráveis. Apesar da
prática de casar ainda menina estar decaindo, muitas ainda são dadas em
casamento, contra sua vontade, a homens muitos anos mais velhos (277).
Mesmo quando apoiado pela cultura reinante, o ato sexual pode ser traumático
para as mulheres ainda muito jovens. Por exemplo, quando a antropóloga Mary
Hegland entrevistou mulheres iranianas que moravam nos EUA sobre a iniciação
sexual que tinham tido no Irã, muitas descreveram em detalhes como foram
forçadas e defloradas. Eram freqüentes os casos em que os próprios familiares
seguravam a jovem para que o homem a penetrasse. As mulheres entrevistadas
usaram termos como “estupro” e “tortura” para descrever suas experiências,
salientando que o termo “estupro” jamais seria usado com relação a tais
experiências no Irã porque tratava-se de uma relação sexual dentro do casamento
(208). (veja a figura 2)
Abuso sexual na infância
O abuso sexual de crianças existe em praticamente todas as sociedades. Ele
inclui qualquer ato sexual entre um adulto (ou familiar imediato) e uma criança,
além de qualquer contato sexual não consensual entre duas crianças. Geralmente,
as leis não consideram a questão do consentimento como relevante nos casos de
contato sexual entre adultos e crianças, sendo que estas são definidas, de forma
muito variada, como pessoas com no máximo 13, 14, 15 ou 16 anos de idade. (veja a tabela 05)
Como se trata de um tema cercado pelo tabu, é difícil reunir estatísticas
confiáveis sobre a prevalência do abuso sexual durante a infância. Os poucos
estudos existentes com amostragens representativas informam que este tipo de
abuso é bastante difundido (veja a tabela 06). Os estudos não podem
ser comparados diretamente devido a diferenças na amostragem e na definição do
que constitui o abuso. A maioria dos estudos diferencia o abuso que envolve
contato físico daquele que não o faz, como é o caso do exibicionismo. Também
fazem menção a vários tipos de contato sexual, por exemplo, o toque das partes
genitais, que é diferente do ato sexual.
Apesar de tanto meninas como meninos poderem ser vítimas do abuso sexual, a
maioria dos estudos relata que a prevalência de abuso entre meninas é de pelo
menos 1,5 a 3 vezes a dos meninos e, às vezes, muito maior (75, 153). Em
Barbados, por exemplo, 30% das mulheres e 2% dos homens declararam ter sofrido
abuso (que pudesse ser considerado como sexual) durante a infância ou
adolescência (199). Mas é possível que o abuso sexual de meninos não seja tão
freqüentemente informado como o de meninas.
As mulheres tendem a relatar que são mais profundamente afetadas pelo abuso
sexual do que os homens, embora, sem dúvida alguma, alguns homens e meninos
também sofram enormemente (336, 373). A experiência de ser penetrado parece ser
particularmente traumática tanto para meninos como meninas (42, 81, 247, 336).
Os estudos mostram consistentemente que, seja qual for o sexo da vítima, a
grande maioria dos agressores é do sexo masculino e eles são conhecidos da
vítima (217, 336, 396, 414). Muitos agressores foram eles mesmos agredidos
sexualmente na infância, embora a maioria dos meninos que sofrem abuso sexual
não agridem sexualmente outros quando se tornam adultos (462).
O abuso sexual pode gerar muitas conseqüências nocivas à saúde, inclusive
problemas psicológicos e de comportamento, distúrbios sexuais, problemas de
relacionamento, baixa auto-estima, depressão, tendência ao suicídio, alcoolismo
e dependência química, além de comportamento sexual mais arriscado (25, 53, 81,
276, 399). As mulheres que sofrem abuso sexual durante a infância correm também
um risco elevado de sofrerem abuso físico ou sexual quando adultas (26, 37,
149).
Embora os efeitos do abuso sexual sejam graves e duradouros para algumas
crianças, nem todas sofrerão conseqüências que continuam durante a vida adulta
(247, 314). O abuso sexual tem maior probabilidade de causar danos a longo prazo
se for perpetrado durante um período mais longo, se o responsável for o pai ou
uma figura paterna, se houver penetração ou se for utilizada força ou violência
(26, 247, 373).
A resistência de uma criança e o tipo de acolhida que recebe quando relata o
abuso também afetam as conseqüências a longo prazo (85, 247, 396). Quando as
pessoas acreditam na criança que relata um abuso e oferecem-lhe seu apoio, as
conseqüências são freqüentemente menos graves do que quando a revelação da
criança gera descrédito, acusação ou rejeição (396).
Population Reports is published by the Population Information Program, Center for Communication Programs,
The Johns Hopkins School of Public Health, 111 Market Place, Suite 310, Baltimore,
Maryland 21202-4012, USA
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