Artigos de saúde
A AIDS—Síndrome da Imuno-Deficiência
Adquirida—foi reconhecida como crise global em meados da década de 80 (213). Em
1986, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou em 100.000 o número de casos
de AIDS no mundo inteiro, e de 5 a 10 milhões o número de casos de infecção pelo
HIV, o vírus da imuno-deficiência que causa a AIDS. Os pesquisadores haviam
estimado que o número anual de mortes devido à AIDS atingiria o pico de 1,7
milhões em 2006 (268). Mas, somente em 2001, foram relatadas 3 milhões de mortes
devidas à AIDS (432).
Estima-se em 22 milhões o número total de pessoas que já sucumbiram à AIDS
(172). Ainda mais impressionante é o fato de que 40 milhões de pessoas vivas já
foram infectadas com o HIV (432), ou seja, o número de pessoas HIV positivas que
morrerão de AIDS é superior ao número das que já morreram. A crise já se tornou
uma catástrofe.
O HIV/AIDS é, globalmente, a quarta maior causa das mortes, exceto na África,
onde é a causa principal (413). Apesar de sua ampla disseminação, a epidemia
ainda está em seus estágios iniciais. As autoridades de saúde pública estimam
que, até o momento, as doenças e mortes representam apenas 10% do impacto total
possível (287, 406). Os pesquisadores do assunto estimam que, até 2010, o
HIV/AIDS reduzirá a expectativa média de vida de alguns países do sul da África
a cerca de 30 anos (338). (veja o Quadro 1)
Uma carga maior sobre a juventude
Apesar disto não ter sido reconhecido desde o início, está claro agora que a
epidemia de HIV/AIDS é pior entre os jovens.* Ao longo de um período de 20 anos,
mais de 60 milhões de pessoas foram infectadas com o HIV; metade destas
infectou-se quando tinha entre 15 e 24 anos (153, 432). Calcula-se que 11,8
milhões de pessoas de 15 a 24 anos de idade são portadoras do HIV/AIDS (432). Em
alguns países africanos, de cada cinco mulheres jovens, mais de uma vive com o
HIV/AIDS. (veja a Tabela 1)
Apesar dos jovens serem os mais afetados pelo HIV/AIDS, a epidemia continua em
grande parte invisível no meio da juventude (216), tanto para os próprios jovens
como para a sociedade como um todo. Geralmente, os jovens são portadores do HIV
durante muitos anos antes de se darem conta de que estão infectados. Como
conseqüência, a epidemia se espalha além dos grupos de alto risco, atingindo a
população mais abrangente de pessoas jovens e tornando-a ainda mais difícil de
controlar.
A AIDS já se tornou generalizada entre os jovens em praticamente metade da
região da África abaixo do Saara. Numa epidemia generalizada de HIV, 5% ou mais
da população já foi infectada (7). Mas no caso de quase 20 dos países da região
do sub-Saara, estima-se que 5% ou mais das mulheres jovens de idade entre 15 e
24 anos já estão infectadas com o HIV (162). Assim que cada nova geração de
jovens atinge a idade reprodutiva, aumentam as chances de uma nova onda de
infecção (158).
Na medida em que a epidemia de AIDS se dissemina, grupos cada vez mais jovens
vão se expondo ao risco da infecção pelo HIV (126, 170, 308). A infecção começa
a atingir grupos cada vez mais jovens na medida em que os homens escolhem
parceiras sexuais cada vez mais jovens. Muitos homens acreditam, provavelmente
de forma correta, que quanto mais jovem a mulher, menor chance ela tem de estar
infectada com o HIV, ao passo que outros homens acreditam erroneamente que podem
curar a AIDS se tiverem relações sexuais com virgens (299, 339, 367).
Como reflexo destas tendências nas preferências sexuais, a infecção das mulheres
jovens com o HIV ocorre em média dez anos mais cedo do que no caso dos homens e,
portanto, muitas mulheres morrerão de AIDS muito mais jovens do que os homens.
Segundo o US Census Bureau, organização de recenseamento dos EUA, esta situação
fará com que, em 2020, haja mais homens do que mulheres em idade reprodutiva,
desequilíbrio este que levaria os homens a buscar parceiras femininas ainda mais
jovens, o que por sua vez aumentaria ainda mais os níveis de infecção de
mulheres adolescentes (338). (veja a Figura 1)
As estatísticas do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS)
indicam o alcance desta catástrofe no meio juvenil:
- Em 1998, a data da estimativa mais recente de novas infecções, mais de 2,5
milhões de pessoas jovens, de 15 a 24 anos de idade, foram infectadas com o HIV
(153), ou seja, metade de todas as novas infecções por HIV naquele ano (169).
- A cada dia são infectadas mais de 7.000 pessoas, ou seja, cinco por minuto
(153, 154, 165).
- No mundo inteiro, 30% de todas as pessoas portadoras de HIV/AIDS têm entre 15
e 24 anos (432).
Os dados acima salientam a necessidade urgente de se tratar do problema do
HIV/AIDS entre os jovens. A juventude constitui um quinto da população mundial
(363). Nos países em desenvolvimento, esta parcela pode ser ainda mais elevada,
podendo chegar a dois quintos da população de certos países, onde as taxas de
fertilidade são mais elevadas (295).
Os jovens são particularmente vulneráveis ao HIV/AIDS devido aos atributos
físicos, psicológicos, sociais e econômicos da adolescência (70, 271, 284, 327,
422). Muitos adolescentes dependem financeiramente de outras pessoas, são
inexperientes socialmente, não foram instruídos ou não aprenderam outras formas
de se proteger contra as infecções e, geralmente, têm menor acesso ao
atendimento de saúde do que os adultos (154, 158, 410).
Os costumes e a sociedade afetam fortemente o comportamento das pessoas e,
freqüentemente, aumentam a vulnerabilidade dos jovens ao HIV/AIDS. Às vezes, os
adolescentes não conseguem entender plenamente sua exposição aos riscos e os
resultados potencialmente perigosos.
Diferenças regionais e nacionais. A prevalência do HIV/AIDS entre os jovens pode
variar enormemente entre os vários países ou regiões. A África do sub-Saara
enfrenta a pior situação de todas. Apesar desta região ter apenas 10% da
juventude do mundo, ela apresentou quase 75% de todos os jovens portadores do
HIV/AIDS em 2001, ou seja, 8,6 milhões de pessoas (153, 432).
Existem diferenças substanciais na prevalência do HIV entre os países africanos.
Botsuana tem a maior proporção de jovens infectados—pelo menos um terço das
mulheres de 15 a 24 anos—mas outros países da região sul da África têm índices
muito próximos (ver a Tabela 1). Em contraste, a prevalência de HIV é baixa na
África Ocidental.
Na região da Ásia e Pacífico, o Camboja, Mianmá e Tailândia são os países que
apresentam as taxas mais altas de infecção, sendo os únicos na região onde a
prevalência de HIV é superior a 1% entre os jovens. Na América Latina e Caribe,
a prevalência do HIV varia enormemente. O Caribe sofre uma das piores epidemias
de AIDS depois da região sub-Saara da África. Nas Bahamas, República Dominicana,
Guiana e Haiti, pelo menos 2% das mulheres jovens já estão infectadas com o HIV.
Na Europa Oriental e Ásia Central, a prevalência do HIV é relativamente baixa.
Somente na Ucrânia estão infectados mais de 1% da população masculina de 15 a 24
anos de idade. A epidemia parece estar se disseminando rapidamente entre os
jovens, sobretudo devido ao uso desprotegido de drogas injetáveis. Se o HIV
começar a passar dos usuários de drogas à população em geral, a prevalência
provavelmente aumentará rapidamente (162). De forma semelhante, no Norte da
África e no Oriente Médio, é rara a infecção de HIV entre os jovens (153). No
entanto, o uso de drogas injetáveis poderá causar em breve uma onda de infecções
na região (171) e aumentar os índices gerais de infecção da juventude pelo HIV.
Somente alguns países industrializados, entre eles os EUA, têm índices de
infecção de 0,5% ou mais elevados. Combinados, estes países tinham um total de
240.000 jovens portadores de HIV/AIDS em 2001, ou seja 2% do total mundial
(432).
Diferenças dentro dos países.
As estatísticas nacionais às vezes ocultam diferenças consideráveis nos dados da
epidemia de HIV/AIDS entre as várias regiões de um país. As cidades geralmente
têm maior prevalência de HIV do que as áreas rurais (223). Por exemplo, em
Zâmbia, as jovens de 15 a 19 anos de Lusaka, a capital, têm três vezes mais
probabilidade de estarem infectadas do que as jovens de áreas rurais (93). Mas,
com o tempo, o movimento de pessoas entre as áreas rural e urbana poderá reduzir
estas diferenças (223, 389).
As estatísticas de HIV/AIDS referentes à população em geral também podem
esconder diferenças dramáticas entre os vários grupos. Por exemplo, na região
nordeste da Índia, o HIV parece restrito aos homens que usam drogas injetáveis e
aos seus parceiros(as) sexuais. Mas nos estados do sul e do oeste do país, o HIV
não se restringe mais a este grupo, tendo atingido a população em geral (153).
Diferenças entre os sexos.
No mundo inteiro, existem diferenças consideráveis entre os padrões de infecção
de HIV, dependendo do sexo do jovem. Nos países onde predomina a transmissão
heterossexual do HIV, geralmente as mulheres se infectam mais do que os homens,
entre os jovens. Na maior parte da África, os índices de infecção das mulheres
jovens é pelo menos duas vezes superior aos índices apresentados por homens
jovens (162). (veja a Tabela 1).
Em certas regiões, as adolescentes têm seis vezes mais chances de infecção do
que os adolescentes (162). Por exemplo, em algumas partes do Quênia e de Zâmbia,
é de 25% a taxa de prevalência entre as adolescentes, mas de apenas 4% entre os
adolescentes (171, 339). Em Botsuana, estima-se que cerca de dois terços das
mulheres de 15 a 24 anos são soropositivas, duas vezes mais que a proporção dos
homens da mesma faixa de idade (162). O mesmo tipo de desequilíbrio entre os
sexos ocorre nos EUA (373).
Onde a epidemia de HIV é bastante disseminada entre os usuários de drogas
injetáveis, como é o caso da Austrália, Nova Zelândia, Europa e Ásia Central, a
maioria dos casos ocorre entre os jovens porque estes têm maior probabilidade de
usar drogas do que as jovens (171). Na China, em meados da década de 90, de cada
dez casos de adolescentes (16 a 19 anos) infectados, nove eram homens e uma,
mulher (419).
Entre os jovens de países industrializados, a transmissão sexual do HIV ocorre
principalmente por meio de relações homossexuais entre homens. Por exemplo, nos
EUA, metade dos homens de 13 a 24 anos que sofriam de AIDS em 1999 haviam
contraído a doença em relações sexuais com outros homens (373).
Diferenças econômicas e sociais.
O HIV dissemina-se mais rápida e amplamente em condições de pobreza, falta de
poder e falta de informação (53, 223), condições estas em que se encontram
muitos jovens do mundo inteiro. Na verdade, a AIDS transformou-se numa doença
dos marginalizados (226, 395). A epidemia da AIDS é muito mais grave nos países
mais pobres (171). Dentro de um mesmo país, os mais carentes, as pessoas com
menor acesso a oportunidades, serviços e sistemas de apoio, são as que correm os
riscos mais elevados. Também entre os jovens, o HIV afeta de forma
desproporcional os pobres e marginalizados (283).
Na África do sub-Saara, inicialmente a AIDS parecia ser uma doença de homens que
tinham condições financeiras para viajar, ter várias parceiras sexuais e pagar
pelo sexo. Mas, na medida em que a epidemia foi se disseminando, o HIV tornou-se
muito mais comum entre as camadas mais pobres da população. O mesmo padrão
repete-se na Ásia (395).
Nos EUA, o HIV/AIDS surgiu inicialmente entre homens adultos, brancos e de boa
condição financeira que tinham relações sexuais com outros homens. Mas agora a
epidemia já migrou para as classes menos privilegiadas. Na verdade, a AIDS
transformou-se na principal causa de morte entre as pessoas afro-americanas de
25 a 44 anos de idade (373).
Estratégia centrada na juventude
Não há uma única estratégia de combate à AIDS que se aplique a todos os lugares.
A abordagem de cada país deve refletir os padrões epidemiológicos da infecção
(7). No entanto, como a maior parte das infecções de HIV ocorre durante a
adolescência, a concentração dos esforços na juventude parece ser uma estratégia
crucial.
Aplicando-se modelos de simulação a um país africano hipotético onde a
prevalência de AIDS é de 10% da população em geral, chega-se à conclusão que
seria mais eficaz concentrar os esforços de prevenção do HIV nos adolescentes do
que em grupos de alto risco, definidos neste caso como pessoas que tiveram mais
de um parceiro sexual nos últimos seis meses. Um enfoque combinado e aplicado
tanto aos jovens como aos grupos de alto risco seria, segundo sugerem os
modelos, a estratégia mais eficaz de todas e, além disso, a um custo de apenas
20% do custo de uma campanha nacional e abrangente contra a AIDS (345).
Outra razão para concentrar os esforços de prevenção na juventude é que os
jovens soropositivos são altamente infecciosos porque foram infectados mais
recentemente. O HIV é mais infeccioso quando as cargas viróticas do sangue são
altas, resultando na presença do HIV em muitos fluidos corporais. Normalmente,
estes períodos são dois: o primeiro deles, a infecção primária, ocorre
imediatamente após a infecção pelo HIV e dura apenas alguns meses. O segundo
período é no final, quando a infecção do HIV gera a AIDS (11, 46, 312). Como os
adolescentes têm mais chances de terem se infectado recentemente, muitos estão
ainda no estágio primário, o mais infeccioso, justamente quando a estratégia de
mudança de comportamento seria mais eficaz para reduzir a possibilidade de
transmissões subseqüentes do HIV (46, 312).
A prevenção da infecção do HIV entre os jovens também ajudaria a reduzir o custo
crescente do tratamento, liberando recursos que poderiam ser utilizados para
atender a outras necessidades dos jovens. Por exemplo, na Índia o custo anual do
tratamento de um paciente de AIDS, mesmo sem terapias caras, equivale ao custo
anual da educação primária de 10 crianças (266). (veja a Figura 2)
Uma ação antecipada contra o HIV/AIDS é muito mais eficaz do que uma ação
posterior. Estima-se que um programa de prevenção da AIDS iniciado há 10 anos
teria tido 60% a mais de impacto sobre a prevalência do HIV do que o mesmo
programa iniciado hoje (345). Mais particularmente, o enfrentamento da questão
do HIV/AIDS entre os jovens hoje mesmo, ao invés de mais tarde, contribuiria
enormemente para sustar a disseminação da epidemia.
Os delegados à Sessão Especial sobre HIV/AIDS da Assembléia Geral das Nações
Unidas adotaram a resolução de “reduzir em 25%, até 2005, a prevalência do HIV
entre homens e mulheres de 15 a 24 anos na maioria dos países afetados, e em 25%
globalmente, até 2010” (166). Para alcançar esta meta ambiciosa, serão
necessários esforços consideráveis.
Não se pode esperar que, sozinho, o setor de saúde contenha a epidemia de
HIV/AIDS, como também não poderão consegui-lo os programas individuais de
prevenção da AIDS trabalhando sozinhos, se bem que todo e qualquer esforço
sempre ajuda. Somente uma abordagem estratégica coordenada e de grande escala,
da qual participem os governos, as comunidades locais e o setor privado, e que
tenha apoio internacional, representa esperança real.
Leia o Anexo: Transmissão do HIV da mãe à criança (Clique
Aqui).
* Os termos “juventude”, “adolescentes” e “jovens” podem ter várias
definições. A OMS considera o grupo de 10 a 19 anos de idade como adolescentes e
o grupo de maior porte, de 10 a 24 anos, como jovens (409). Mas os três termos
são, freqüentemente, usados de forma indistinta, prática que também adotamos
neste número de Population Reports.
Population Reports is published by the Population Information Program, Center for Communication Programs,
The Johns Hopkins School of Public Health, 111 Market Place, Suite 310, Baltimore,
Maryland 21202-4012, USA
Veja também