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Fibrose Cística

 Equipe Editorial Bibliomed

Neste artigo:

- Definição
- Etiologia
- Sinais e sintomas
- Diagnostico diferencial
- Benefícios do screening neonatal
- Tratamento
- Famacoterapia básica
- Fisioterapia respiratória
- Atelectasias
- Hemoptise
- Pneumotórax
- Aspergilose alérgica
- Insuficiência respiratória aguda
- Insuficiência respiratória crônica
- Insuficiência cardíaca direita
- Conclusão
- Referências bibliográficas

Definição

A fibrose cística (FC) ou mucoviscidose é uma doença genética autossômica recessiva, que ocasiona um defeito no transporte clorídrico, com alterações na produção de muco e na transpiração do paciente. Estas alterações afetam invariavelmente os pulmões, pâncreas, fígado, intestino, seios da face, órgãos sexuais e o estado nutricional do paciente.

Em 15 a 20% dos pacientes com diagnostico de fibrose cística, a primeira manifestação é o íleo meconial, sendo indicativo da doença. Nestes casos o diagnostico precoce da doença, através do screening neonatal, não irá ajudar numa detecção mais cedo da patologia nessas crianças.

O muco que é produzido pelos pacientes com FC se acumula nos pulmões, bloqueando as vias aéreas. Isto cria um meio apropriado para o crescimento bacteriano, e estes pacientes têm infecção respiratória de repetição que pode levar a lesão pulmonar irreversível. A insuficiência respiratória é a causa mais freqüente de morte nestes pacientes, cuja expectativa de vida não ultrapassa em muito os 35 anos.

O muco também obstrui os ductos pancreáticos destes pacientes, resultando em um bloqueio à liberação das enzimas digestivas por este órgão. Como estas enzimas não estão disponíveis, para efetuar a digestão de vitaminas, proteínas e gorduras, estes nutrientes saem do organismo sem serem utilizadas, levando a quadros de desnutrição grave, deficiência de vitaminas (A,D,E,K), eliminação de fezes volumosas e dor abdominal acompanhada de flatulência importante.

O Balanço eletrolítico destes pacientes sempre está alterado, em conseqüência da grande perda de sal que eles apresentam pela transpiração.

Os sintomas e a severidade da fibrose cística variam de paciente para paciente. Algumas pessoas têm sérios problemas pulmonares e digestivos, enquanto outras apresentam sintomatologia leve que só vai se manifestar na adolescência ou quando são adultos jovens.

Etiologia

A fibrose cística é causada por um defeito genético em um gene denominado Transmembrane conductance regulator (CFTR). Este gene é responsável pela manufaturação da proteína, que regula a entrada e saída de sal e água para dentro e fora das células. Existem portadores sãos da doença, já que ela tem caráter autossômico recessivo.

Sinais e sintomas

• Pouco ganho pondero estatural
• Aumento do diâmetro antero posterior do tórax
• Crepitações torácicas e hiper-ressonância à percussão
• Baqueteamento digital
• Tosse crônica
• Distensão abdominal
• Fezes abundantes e gordurosas

Diagnostico diferencial

Um diagnostico precoce, baseado na clinica, geralmente é difícil, pois não existe nenhum sinal ou sintoma patognomônico da doença. O diagnóstico diferencial é feito com doença celíaca, alergias alimentares, asma, bronquite, entre outros.

Benefícios do screening neonatal

• Maior desenvolvimento das crianças, se o diagnostico é feito precocemente.
• Melhor desenvolvimento neurológico e cognitivo
• Diminuição do número e do tempo de hospitalização destas crianças
• Diminuição da mortalidade em até 50%, mostrada em vários estudos, quando o diagnóstico é realizado precocemente.
• Diminuição da intensidade das lesões pulmonares
• Possibilidade de identificação de irmãos, com quadro sugestivo de FC, mas que não tenham sido diagnosticados ainda.

Tratamento

O plano terapêutico da FC deve ser abrangente e basear-se na idade do paciente, no grau de comprometimento dos vários órgãos e sistemas, e no tempo disponível para tratamento. Pela sua freqüência e gravidade, o acometimento pulmonar deve receber uma fatia generosa das atenções do médico assistente.

O objetivo do tratamento pulmonar é manter as vias aéreas limpas e controlar infecções, mas existem divergências quanto a vários aspectos específicos do tratamento. Ao longo deste artigo, apresentaremos aspectos-chave envolvidos na terapêutica das principais complicações pulmonares da FC.

Famacoterapia básica

A peça-chave do tratamento pulmonar na FC consiste no uso de aerossóis com broncodilatadores e beta-agonistas. Os aerossóis também podem ser utilizados para administrar antibióticos (p.ex.: aminoglicosídeos), reduzindo a necessidade de hospitalização de pacientes com infecções respiratórias causadas por patógenos resistentes. A nebulização com solução hipersalina vem sendo preconizada, mostrando grandes benefícios, quando associada a broncodilatadores. Estudos comparativos realizados recentemente mostram grande vantagem desta solução, sobre a solução salina isotônica (NaCl 0,9%).

O uso de DNase recombinante humana (2,5 mg) em dose única via aerossol, por 6 meses ou mais parece ser capaz de melhorar a função pulmonar, diminuir a freqüência das exacerbações e aumentar a sensação de bem-estar em pacientes com pneumopatia leve a moderada, associada à presença de secreção mucopurulenta. A eficácia em pacientes com pneumopatia severa (capacidade vital <40% do previsto), ainda não foi documentada.

Compostos a base de N-acetilcisteína são tóxicos para o epitélio ciliado e sua administração deve ser evitada.

A antibioticoterapia deve ser realizada de acordo com critérios clínicos e isolamento do patógeno responsável – sempre que possível, o tratamento deve ser guiado pelo antibiograma. Os microorganismos mais comuns incluem S. aureus, Haemophilus influenzae, e P. aeruginosa.

O ibuprofeno, administrado a longo prazo, diminui significativamente o ritmo de progressão da pneumopatia, especialmente em pacientes mais jovens com doença incipiente. Os efeitos colaterais são raros.

Fisioterapia respiratória

A fisioterapia torácica (FT), com percussões torácicas associadas à drenagem postural, é particularmente útil em pacientes com FC. A melhora da função pulmonar leva alguns meses para ser percebida, mas a interrupção da FT em crianças, com limitações leves a moderadas das vias aéreas, resulta em deterioração da função pulmonar em poucas semanas – quadro que pode ser imediatamente revertido com a reintrodução da FT.

O tratamento deve ser realizado uma a quatro vezes por dia, dependendo da severidade da disfunção pulmonar. Tosse e expirações forçadas devem ser encorajadas após cada sessão de tapotagem.

Atelectasias

As atelectasias lobares são raras e podem ser assintomáticas. Na maior parte dos casos, a antibioticoterapia endovenosa agressiva, associada à FT direcionada para o lobo afetado, são eficazes. Caso não se observe qualquer melhora após 5-7 dias, recomenda-se broncoscopia. A lobectomia só deve ser considerada nos pacientes que não apresentam expansão e naqueles com tosse, febre e anorexia progressiva.

Hemoptise

O sangramento endobrônquico em geral representa erosão da parede das vias aéreas devido a processos infecciosos. Com o aumento no número de pacientes mais velhos, a hemoptise vem aumentando sua freqüência. Episódios de pequeno volume (< 20 ml) não devem causar alarme e significam apenas necessidade de antibioticoterapia e fisioterapia torácica.

Nos pacientes com hemoptise persistente ou severa, indica-se hospitalização. A hemoptise maciça é definida como a perda de 250 ml ou mais de sangue em um período de 24h e requer monitorização cuidadosa do paciente e, possivelmente, hemoterapia. Outras medidas terapêuticas incluem suspensão da fisioterapia respiratória (deverá ser re-introduzida gradualmente, 24h após o último episódio de sangramento) e suplementação de vitamina K (nos pacientes com alteração do tempo de protrombina). A broncoscopia em geral é incapaz de determinar o ponto hemorrágico. A lobectomia deve ser evitada, preservando-se assim tecido pulmonar funcionante. A embolização de ramos arteriais brônquicos é uma alternativa útil nos casos persistentes.

Felizmente, a hemoptise maciça é rara na primeira década de vida e ocorre em menos de 1% dos adolescentes.

Pneumotórax

Menos de 1% das crianças e adolescentes com FC apresentam pneumotórax como complicação da doença. Esta alteração potencialmente fatal é mais comum em pacientes mais velhos.

O episódio de pneumotórax pode ser assintomático, mas freqüentemente manifesta-se com dor torácica ou no ombro, dispnéia ou hemoptise. Se o pneumotórax é inferior a 5-10%, o paciente é internado e mantido sob conduta expectante. Pneumotórax maiores que 10% ou hipertensivos necessitam intervenção cirúrgica imediata. O procedimento é bem tolerado mesmo nos pacientes com pneumopatia avançada, apresentando baixos índices de recorrência, complicações e morte. O tubo de drenagem torácica é removido no segundo ou terceiro dia pós-operatório.

A toracotomia fechada associada à administração de agentes esclerosantes é uma alternativa ao procedimento aberto. Em pacientes com pneumotórax bilateral, o escape de ar deve ser controlado imediatamente, pelo menos de um lado.

Aspergilose alérgica

Esta complicação pode manifestar-se com sibilos, tosse persistente, dispnéia ou hiper-insuflação torácica. Infiltrados focais podem ser observados à radiografia em alguns pacientes. O diagnóstico de aspergilose alérgica é ainda sugerido pela expectoração mucopurulenta, isolamento do agente a partir do exame de escarro, presença de anticorpos séricos anti-Aspergillus fumigatus ou presença de eosinófilos em uma amostra fresca de escarro.

O tratamento é direcionado para o controle da reação inflamatória com corticosteróides. Casos refratários podem necessitar aerossóis de anfotericina B ou itraconazol sistêmico.

Insuficiência respiratória aguda

A insuficiência respiratória aguda é rara em portadores de FC e pneumopatia leve a moderada. Costuma ser secundária a infecções virais intensas (p.ex: influenza). O empenho no tratamento é justificado pela possibilidade real de recuperação plena (ainda que lenta). Além dos aerossóis, pode-se utilizar tapotagem, antibioticoterapia endovenosa e oxigenioterapia nasal. Alguns pacientes necessitam aspiração endotraqueal ou broncoscópica e, na maioria dos casos, o tratamento do quadro deve ser prolongado por uma a duas semanas após recuperação do estado geral.

Insuficiência respiratória crônica

A lenta deterioração da função pulmonar leva muitos portadores de FC à insuficiência respiratória crônica. Uma vez que a maioria destes pacientes convive durante vários anos com pressões arteriais de O2 abaixo de 50 mmHg, desenvolvendo cor pulmonale crônico, a suplementação domiciliar com O2 nasal (especialmente durante o sono) produz bons resultados. A antibioticoterapia e a fisioterapia pulmonar também são componentes importantes do tratamento. O uso de diuréticos deve ser monitorizado para evitar alcalose secundária à retenção de bicarbonato.

O transplante pulmonar tem sido a cada dia uma opção mais viável para pacientes com FC e pneumopatia terminal. Cerca de 50% dos pacientes transplantados sobrevive 5 anos ou mais, com melhora significativa da função pulmonar e da qualidade de vida. Infelizmente, devido à ocorrência de bronquiolite obliterante e outras complicações, os pulmões transplantados em geral não duram toda a vida do receptor.

Insuficiência cardíaca direita

Alguns pacientes apresentam descompensação cardíaca direita como conseqüência de algum episódio aguda, como infecção viral ou pneumotórax.

O diagnóstico de insuficiência cardíaca direita é confirmado pela presença de cianose, dispnéia aos mínimos esforços, edema maleolar, aumento da turgência jugular, ganho ponderal inexplicável e aumento global do coração ou apenas das câmaras direitas à radiografia, ao eletrocardiograma ou ao ecocardiograma. O tratamento obedece aos princípios terapêuticos de todo paciente com insuficiência cardíaca congestiva e cor pulmonale. Ainda não existem estudos confirmando benefícios no emprego de vasodilatadores pulmonares. O transplante pulmonar é a melhor opção terapêutica disponível atualmente.

Conclusão

Apesar da sobrevida de indivíduos com FC ter aumentado nos últimos 30-40 anos, esta doença ainda é capaz de limitar dramaticamente a vida do paciente. Crianças com pneumopatia severa em geral falecem antes da adolescência e as sobreviventes experimentam decréscimo progressivo e incapacitante da função pulmonar, culminando com falência respiratória irreversível em torno da terceira década de vida. Aerossóis, antibioticoterapia e fisioterapia são as principais ferramentas para reduzir a morbidade respiratória da FC. Em pacientes com insuficiência respiratória crônica ou insuficiência cardíaca severa, o transplante pulmonar é a única medida terapêutica capaz de alterar o curso inexorável para o óbito.

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